II
– Magnífica! Você deu vida a um sonho, minha cara! Sou Edgar, o autor da peça. – ele disse, estendendo a mão, e eu prontamente correspondi ao cumprimento.
Ah! Não saberia descrever a delicadeza com que aquela voz tão grave escorreu da boca dele para meu corpo. Era uma delícia absorver aquele timbre e deixá-lo vibrar em mim – em forma de calafrio.
– Não passa de um sonho então? – felizmente, o sorriso em meu rosto amenizou meu tom incisivo. Ele não sabia o quanto aquele momento era grandioso pra mim, e o quanto eu precisava que ele fosse perfeito. – Me chame de Nancy.
– Ora, Nancy, isso depende.
– Depende de que?
– De quanto tempo você permanece dormindo.
Nem por um momento ele hesitou. E prosseguiu com a naturalidade de quem fala do tempo:
– Sabe, às vezes, quando a gente dorme muito profundamente e sonha, é difícil distinguir o que é real. Você já sentiu assim?
Eu apenas aquiesci, mas poderia ter gastando horas contando a freqüência com que isso ocorria comigo. De como de vez em quando eu me flagrava agindo e falando de maneira estranha – como se não fosse minha a voz que falasse, ou não fosse eu que coordenasse meus movimentos. “É como se eu fosse uma marionete e alguém me controlasse através de nylons finíssimos, que nem mesmo eu pudesse ver” Eu diria, e talvez minha seguinte pergunta fizesse algum sentido:
– Se Drusilla matasse alguém de verdade, quem seria preso? Eu ou você? Digo, considerando que você escreveu essa morte.
Ele ficou em silêncio por alguns instantes, porém seus olhos eram tão expressivos que eu quase podia ouvi-los indagar: “que espécie de armadilha você está tramando?”. Mas não foi isso que ele verbalizou.
– Provavelmente seríamos parceiros neste crime. Eu e Drusilla.
Eu sorri, um sorriso sincero de satisfação, que acredito que ele tenha reconhecido, pois respondeu com a mesma sutileza. Talvez eu tivesse me enganado quanto aos olhos, afinal.
– Venha jantar comigo esta noite. Temos muito a conversar.
Quis perguntar o que seria esse muito, mas por que estragar a surpresa? A verdade é que aquele era um convite irrecusável. Meu Deus finalmente tinha um nome – Edgar – e um rosto, e me chamava para jantar no Olimpo – que castigos me aguardariam se eu dissesse não? E que pecados, se eu dissesse sim?
– Eu aceito.